Os Estados Unidos da América figuram como principal ator global, especialmente no pós-Segunda Guerra, influenciando toda uma cadeia de relações políticas, econômicas e financeiras, bem como a criação de organizações internacionais, tais como Nações Unidas, Banco Mundial e Fundo Monetário internacional (FMI). Pouco tempo depois destas, é criada a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), com a promessa trazer um novo tipo de desenvolvimento para a região, dando margem, assim, para o surgimento de teorias socioeconômicas importantes, dentre elas, a Teoria da Dependência e, consequentemente, a Teoria do Sistema-Mundo (DOS SANTOS, 2000).
Entretanto, um novo ator emerge no sistema internacional, com índices que o galgam a se tornar o próximo hegemon, a China, que traz consigo, principalmente a partir dos anos 1990, altíssimos investimentos em infraestrutura e produção de energia limpa. Atualmente, muitas economias mundiais – inclusive, as latino-americanas – estão lastreadas com a China, seja na exportação de commodities, seja na importação de eletrônicos, relações estas que antes eram mantidas, em sua maioria, com países nortistas. Esse fenômeno é característico da acentuada globalização (SANTOS, 2001).
Rondônia, hoje, tem posição relevante nesse sistema de comércio, uma vez que é rota de saída da exportação de commodities agrícolas e minerais e grande exportadora de carne tenra, dentre outros, mantendo estreitas e volumosas relações de exportação com a China (BRASIL, 2018). Em seu plano estratégico maior, Rondônia e Brasil são apenas um ponto no gigantesco projeto de expansão chinesa a que se dá o nome de “nova rota da seda”. Até que ponto essas relações comerciais impactam o Estado rondoniense? Todo esse fluxo de capital gera lucros aplicáveis em compensações que resultam em melhorias dos índices de desenvolvimento humano e redistribuição de renda? É possível irmanar as relações sino-rondonienses a ponto de se pensar em um tipo de desenvolvimento sem dependência?
Diante do exposto, o presente projeto buscar desvendar o véu acerca da atuação chinesa em Rondônia, com o intuito de investigar as possibilidades de um legado chinês, para além da tradicional exploração estrangeira – e nacional – a que esse estado brasileiro foi legado por muito tempo e por muitas vezes.
Objetivo geral: Compreender socioeconomicamente a atuação chinesa em Rondônia.
Objetivos específicos: (i) Mapear setores, produtos e espaços de interlocução – pública e/ou privada – que mais têm chamado a atenção do governo chinês no estado de Rondônia; e (ii) Analisar os principais impactos socioeconômicos da atuação chinesa em território rondoniense.
Brasil e China são muito mais do que simples países que formam o chamado BRICS, grupo que conta ainda com Rússia, Índia e África do Sul, todos países emergentes e líderes em suas respectivas regiões, mas que, enquanto bloco, não agem de forma sistematicamente coerente (STUENKEL, 2017).
A China é o principal parceiro comercial de Rondônia. Isso por si só já chamaria a atenção de qualquer economista ou jornalista. Todavia, no âmbito das Ciências Humanas e Sociais, o que torna tal temática relevante é a possibilidade de investigar uma possível correlação entre desenvolvimento econômico e social, tal como pioneiros estudiosos latino-americanos já haviam feito, décadas atrás, a exemplo de Celso Furtado e Raúl Prebisch.
Diga-se de passagem, superar o subdesenvolvimento é um dos principais motivos do surgimento de teorias como a da Dependência e do Sistema-Mundo, as quais são, diga-se de passagem, resgatadas e utilizadas para iluminar os caminhos do presente projeto.
Nesse sentido, levanta-se o seguinte problema de pesquisa: quais são, afinal, os impactos sociais da atuação chinesa no estado de Rondônia? Em outras palavras, o presente projeto deseja investigar qual será o legado dessa relação paradiplomática para a sociedade rondoniense.
No sentido de tentar responder a tal problema de pesquisa, parte-se da hipótese de que, caso haja comprometimento estratégico – ou seja, pensar a relação chinesa em uma perspectiva a médio e longo prazos e para além do comércio –, por parte das autoridades públicas estaduais e municipais que “atraem” o dragão chinês, é possível tornar a China mais que um parceiro comercial, e sim um parceiro estratégico que ajude a superar o estágio de subdesenvolvimento a que este ente federativo esteve, historicamente, submetido.
Logicamente que não está na China a solução para todos os males socioeconômicos de Rondônia. Entrementes, defende-se, aqui, a ideia de um Estado empreendedor e, ao mesmo tempo, promotor de políticas de bem-estar social (Welfare State). Ser um sem ser o outro, acredita-se, não só apequena e limita a relação China-Rondônia, como também a torna dependente.
Metodologicamente, este projeto não se limita ao míope debate “qualitativo versus quantitativo”. Ele vai mais além: busca mesclar esses dois estilos de pesquisa (mixed-methods research), por meio da estratégia metodológica denominada Nested Analysis, desenvolvida por Lieberman (2005).
O principal intuito aqui é o de potencializar, cada vez mais, as explicações sobre os impactos da atuação chinesa no estado rondoniense. Acredita-se que, por meio de uma análise quantitativa (LNA) temporal sobre as importações e exportações envolvendo Rondônia e China, é possível identificar os principais interesses desta em relação àquela. Em seguida, e seguindo os direcionamentos do Nested Analysis, parte-se para uma análise de estudo de caso (SNA) em que determinados cases são aprofundados para trazer mais luz à investigação sobre os impactos chineses em Rondônia.
As fontes primárias para a extração dos dados advirão dos próprios governos brasileiro – estadual e municipais – e chinês. Isso será possível mediante acesso a fontes primárias – tais quais documentos e balanços –, bem como secundárias – a exemplo de notícias. Além desses três métodos – revisão bibliográfica e estudo de caso –, a pesquisa procurará engendrar seus próprios dados, seja por meio de publicações analíticas dos seus resultados parciais, seja por meio de entrevistas com os atores envolvidos nas esferas pública e privada de ambos os países.
De forma específica, o desenho desta pesquisa (research design) está dividido em duas grandes partes. Na primeira, a LNA, serão levantados os dados brutos na relação comercial Rondônia-China, em que pese o objetivo principal aqui de mapear os principais setores, produtos e atores envolvidos nessa relação.
Uma vez de posse desses metadados essenciais para compreender os interesses chineses no estado rondoniense, inicia-se a segunda parte da pesquisa, a saber: estudo de casos relevantes, SNA, ou seja, aprofundar em determinados cases que ajudem não só a compreender, ainda mais, a presença chinesa na Amazônia Ocidental, como também esboçar os seus impactos atuais e futuros para Rondônia, com vistas a potencializar, por parte sobretudo desta última, a relação no sentido de se pensar um legado não apenas econômico, mas também socialmente positivo para esse estado brasileiro.
Todavia, como apregoam Figueiredo Filho et al. (2012, p. 102-104), para que uma pesquisa social seja a mais transparente e efetiva possível, faz-se necessário explicitar as limitações do seu desenho de pesquisa. Seguindo tal sugestão metodológica, preveem-se alguns obstáculos de cunho, sobretudo, linguístico e de transparência. O primeiro diz respeito ao fato de que muitos dados referentes à atuação do governo chinês estarem em mandarim – embora, grande parte deles esteja em inglês. O segundo remete a questões de soberania nacional, no sentido de que, como a atuação chinesa em território rondoniense é capitaneada pelo governo daquele país, muitas informações são tidas como sigilosas e/ou estratégicas para a consecução dos objetivos nacional da China. Porém, busca-se superar tais óbices mediante maior aproximação daquele país – em termos de apreensão de sua cultura, valores sociais, perspectiva política, economia etc. –, daí a importância de se buscar realizar a presente pesquisa de uma perspectiva inter e multidisciplinar, tendo como carro-chefe as Ciências Sociais.
BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Balança comercial brasileira: Estados jan/dez 2017. 2018a. Disponível em: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/balanca-comercial-brasileira-unidades-da-federacao?layout=edit&id=3060. Acesso em: 20 maio 2018.
______. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Comex Vis: Rondônia. 2018b. Disponível em: http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/comex-vis/frame-uf-produto?uf=ro. Acesso em: 20 maio 2018.
DOS SANTOS, Theotônio. A teoria da dependência: balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
FIGUEIREDO FILHO, Dalson R.; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo C.; SILVA JR, José A.; SANTOS, Manoel L. W. D. Levando Gary King a sério: desenhos de pesquisa em Ciência Política. Revista Eletrônica de Ciência Política, v. 3, n. 1-2, p. 86-117, 2012.
LIEBERMAN, Evan S. Nested Analysis as a mixed-method strategy for comparative research. The American Political Science Review, v. 99, n. 3, p. 435-452, ago. 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1017/S0003055405051762. Acesso em: 16 maio 2018.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
STUENKEL, Oliver. BRICS e o futuro da ordem global. São Paulo: Paz e Terra, 2017.